Aplicação à Lei 9756/98 sobre o processamento de recursos nos tribunais
I) CONSOLIDAÇÃO E REDAÇÃO DAS LEIS
O Constituinte de 1988, ao tratar do tema do "Processo Legislativo", estabeleceu que seria editada lei complementar que dispusesse sobre "a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis" (CF, art. 59, Parágrafo Único).
Dando cumprimento ao comando constitucional, o Congresso Nacional aprovou a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que ditou normas gerais, estabelecendo padrões para a "elaboração", a "redação", a "alteracão" e a "consolidação" da legislação federal.
O Decreto nº 2.954/99, recentemente editado, veio a regulamentar a Lei Complementar nº 95/98, especificando melhor não apenas os procedimentos de redação e consolidação das leis federais, como também a tramitação dos projetos de lei, medidas provisórias, propostas de emenda constitucional no âmbito do Poder Executivo, antes de serem enviados ao Congresso Nacional, e da snção ou veto de leis pelo Presidente da República.
O Decreto estabelece, portanto, as normas fundamentais da elaboração legislativa, especificando as técnicas de redação dos diplomas legais, de modo a simplificar o ordenamento jurídico e torná-lo mais claro.
Dupla finalidade almejou alcançar o Decreto: institucionalizar, no âmbito do Poder Executivo, o procedimento de consolidação das normas legais, e cuidar da qualidade legislativa, fazendo com que os projetos de lei, medidas provisórias e decretos editados pelo Poder Executivo tenham, em sua redação, a clareza e objetividade necessárias para a rápida e perfeita compreensão de seu conteúdo normativo por parte daqueles que estarão sujeitos ao seu império.
Verifica-se que a experiência do Direito Comparado, em termos de técnica legislativa, foi especialmente aproveitada no Decreto, como no caso dos métodos de triagem prévia do que merece ser legalmente disciplinado, evitando-se a proliferação de diplomas legais: trata-se das denominadas "check lists", onde a opção por editar um determinado ato normativo é precedida de questionamento detalhado sobre os problemas que requerem solução do tipo legislativo, as opções ofertadas ao legislador e os possíveis efeitos de cada opção existente.
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O conhecimento do Decreto é de fundamental importância para todos os operadores do Direito, na medida em que permite compreender a sistemática seguida na elaboração, alteração e consolidação das leis, o que torna mais fácil a captação dos comandos nelas inseridos, já que a vontade do legislador é veiculada através de uma linguagem técnica que possui seus padrões próprios de comunicação.
Nesse sentido, as principais orientações traçadas pelo Decreto, em consonância com a Lei Complementar nº 95/98, são as seguintes:
1) Evitar a legislação extravagante – novos comandos legais devem ser inseridos em leis já existentes, que tratem da mesma matéria em seu âmbito mais geral, de modo a que, para cada temática haja apenas uma lei disciplinadora da matéria (art. 6º). Nesse sentido, o projeto de Consolidação da Legislação Federal, que vem sendo desenvolvido pelo Poder Executivo, já vai delineando um ordenamento jurídico em que cada lei básica reguladora de determinada matéria serve como matriz de consolidação para nela serem aglutinadas as leis extravagantes que tratem de temas conexos.
2) Evitar remissões apenas numéricas a normas não contidas na própria lei – o esforço de simplificação do sistema legal supõe não apenas que possa haver apenas uma lei que discipline cada matéria específica, como também que não seja necessária a consulta a outras leis para conhecer o conteúdo concreto de determinado comando legal (art. 12). Assim, a mera remissão numérica a preceito de outro diploma legal, sem especificar minimamente seu conteúdo, deve ser banida como técnica criptográfica de manifestar a vontade do legislador.
3) Menção expressa das normas revogadas por lei nova – A tradicional cláusula revogatória geral, inclusa no final das leis brasileiras, expressa sob a fórmula "revogam-se as disposições em contrário", tem-se mostrado elemento de confusão para o ordenamento jurídico, na medida em que gera volumosas controvérsias sobre se determinadas normas conflitam ou não com a nova lei (art. 14). Daí a necessidade de que sejam expressamente elencadas as normas a serem revogadas, evitando-se, dessarte, as discussões sobre a vigência, ou não, de muitos comandos legais.
4) Inserção de novos dispositivos na lei, sem renumeração dos subsequentes – A Lei Complementar nº 95/98 albergou a técnica alemã de proceder à inserção de novo dispositivo em lei mediante a utilização de letra maiúscula anexa ao número do dispositivo anterior ao que será inserido (Ex: art. 432-A). O Decreto nº 2.954/99 veio a esclarecer dúvida existente sobre o conceito de "dispositivo" para efeito da aplicação dessa regra, explicitando que a mesma somente se aplica ao "artigo" ou divisão de texto legal que lhe seja superior (art. 19, II, e 21). Assim, no caso de parágrafos, incisos e alíneas, poderá a inserção ser feita com renumeração dos demais ítens (art. 19, III). Tal orientação justifica-se pelo fato de que o fim visado pela LC nº 95/98 foi o de preservar a numeração original dos dispositivos, mormente de códigos ou leis de elevado número de artigos, cuja memorização advinda do uso frequente da lei, permite a fácil localização do comando pelo operador do Direito. Ora, a facilidade de localização de um parágrafo ou alínea dentro de um artigo é notória, não exigindo a adoção do mesmo critério. A par disso, se se admitisse a utilização da letra maiúscula conexa às alíneas novas, teríamos aberrações do gênero "alínea a-A", o que não se mostra razoável.
5) Seqüências de incisos de caráter cumulativo ou disjuntivo – Nos dispositivos compostos de incisos que alberguem condições ou hipóteses de implementação do comando inserto no caput, ao Decreto exige a utilização das conjunções "e" ou "ou" no penúltimo ítem da seqüência, conforme se trate de condições que devem ser implementadas conjuntamente ou hipóteses que possuem independência de implementação (art. 19, VII). A medida visa a evitar as controvérsias sobre o caráter cumulativo ou disjuntivo das seqüências de incisos que elencam condições para o exercício de direito. Exemplo recente é o do § 7º do art. 201 da Constituição Federal, tal como alterado pela Emenda Constitucional nº 20/98, que veiculou a Reforma da Previdência, que dá azo às controvérsias, na medida em que não deixa claro se os requisitos da idade mínima e tempo de contribuição são isolados os cumulativos para a aposentadoria integral.
6) Titulação de artigos – Para melhor localização e estruturação orgânica dos textos legais, o Decreto sugere a utilização de título específico para cada artigo ou grupo de artigos, definindo o tema de que tratam (art. 19, XX). O próprio Decreto segue essa diretriz, que, calcada no exemplo do Código Penal, mostra extremamente salutar para o manuseio rápido e eficaz da lei no que se refere à localização célere de um determinado dispositivo procurado.
7) Técnica Redacional – O Decreto, na esteira da Lei Complementar, oferece uma série de regras de boa redação, visando a tornar claros e inteligíveis os comandos legais, de modo a que sejam de fácil compreensão e não gerem controvérsias sobre seu conteúdo. O que se recomenda é, basicamente, a redação direta, sem sinonimia, de forma concisa e com orações curtas, de modo a que cada artigo trate exclusivamente de um assunto, com seus parágrafos explicitando regras que sejam complementares ao comando principal ou exceções a ele (art. 20).
8) Identificação das alterações na lei – Para facilitar a rápida captação do que foi alterado numa determinada lei por outra, o expediente previsto é a inclusão, no final do texto do artigo cuja redação foi alterada, da expressão "(NR)", isto é, "nova redação" (art. 21, II, e). Tal solução se mostrou especialmente necessária para o caso das medidas provisórias, sujeitas a alterações em suas sucessivas reedições, o que exige um mecanismo de pronta identificação da alteração sofrida.
9) Republicação de leis alteradas – Outra medida salutar prevista no Decreto é a da exigência de que os projetos de lei a serem encaminhados ao Congresso Nacional prevendo alterações significativas num determinado texto legal prevejam dispositivo final determinando a republicação completa da lei alterada, incluindo também as alterações anteriores à nova lei (art. 23).
10) Exposição de Motivos dos Atos Normativos – As exposições de motivos de projetos de lei e medidas provisórias passam a ser elementos de fundamental importância para a compreensão da vontade do legislador (mormente em medidas provisórias), uma vez que deverão ser de tal forma articuladas e fundamentadas que possam constituir não apenas uma perfeita explicação dos comandos nela inseridos, quanto uma defesa prévia da constitucionalidade da norma editada (art. 26, parágrafo único).
II) O CASO DA LEI Nº 9.756/98
A recente Lei nº 9.756/98, que introduziu modificações no processamento de recursos no âmbito dos tribunais, é um caso típico da aplicação da Lei Complementar nº 95/98 ao processo de elaboração legislativa que se seguiu à sua edição, que apresenta também os problemas posteriormente sanados pelo Decreto nº 2.954/99.
O Projeto de Lei nº 4.070/98, que resultou na Lei nº 9.756/98, teve por escopo simplificar a tramitação dos recursos no âmbito dos tribunais superiores, ofertando maior poder ao relator, de forma a que pudesse não apenas negar seguimento a recurso em dissonância com jurisprudência sumulada (norma já existente), como também dar provimento a recurso quando a decisão da instância inferior estivesse em dissonância com a orientação jurisprudencial sumulada da Corte Superior (norma nova).
As emendas sofridas pelo projeto em sua tramitação na Câmara dos Deputados, que resultaram na ampliação de poderes do relator nos tribunais inferiores na Justiça Comum e na não ampliação desses mesmos poderes em relação aos ministros do TST, em nenhum momento implicaram a retirada do poder, já existente, previsto no § 5º do art. 896 da CLT, do ministro-relator negar seguimento a recurso quando a decisão regional estiver em consonância com súmula do TST.
Nesse sentido, as regras da Lei Complementar nº 95/98 que foram especialmente observadas na edição da Lei nº 9.756/98 são especialmente as seguintes:
1) Não edição de lei extravagante – As novas orientações veiculadas pela Lei nº 9.756/98 no campo processual foram todas inseridas como alterações dentro do CPC, da CLT e da Lei nº 8.038/90. A Lei nº 9.756/98 não alberga qualquer dispositivo autônomo, que não seja a disposição final do momento de entrada em vigor (art. 4º). É uma lei que, no alterar o CPC e a CLT, cumpriu seu objetivo, não necessitando mais remissões a ela. É o que se pode chamar de "lei-agulha": introduz no tecido de outra lei a linha que irá bordá-lo de forma distinta e, uma vez tendo passado, fica a linha e a agulha se vai, pois não é mais necessária.
2) Adoção de letras na inserção de novos artigos – Foram inseridos na Lei nº 8.038/90, que trata do recurso extraordinário e do recurso especial, os arts. 41-A e 41-B. Como não havia ainda sido definida a orientação traçada pelo Decreto nº 2.954/99 no concernente ao conceito de "dispositivo" para efeito da aplicação da regra da não renumeração, temos que acabou sendo inserido no art. 557 do CPC o § 1º-A, o que, a partir da edição do Decreto, será evitado.
3) Uso das reticências para identificar texto não alterado no artigo – Ainda que não conste de regra escrita, a praxe tradicional na redação legislativa, relativa a alteração de leis, é a da colocação de reticências para a parte de texto do artigo que não está sendo modificada, poupando sua repetição. Mesmo quando se altera apenas algum inciso, parágrafo ou alínea de determinado artigo, a menção ao dispositivo é sempre do artigo inteiro, colocando-se reticências para o seu caput e demais partes não alteradas. Assim, no caso dos arts. 896 e 897 da CLT, verifica-se que as reticências ficaram por conta do § 5º do art. 896 e caput e §§ 1º a 4º do art. 897, que não tiveram seu conteúdo afetado.
4) Uso da expressão "(NR)" para os dispositivos alterados – No caso do art. 896 da CLT, tanto o caput quanto as alíneas e os §§ 1º a 4º (que já existiam), sofreram modificação na sua redação. Daí a indicação, no final da citação do "dispositivo" (que alberga o artigo no seu todo, com parágrafos e alíneas), do "(NR)". Como o Decreto não explicitou o conteúdo da sigla NR (ainda que tenha expresso a hipótese em que se utiliza), houve quem interpretasse a sigla como querendo dizer "norma revogada", o que, aplicado apenas às reticências finais do art. 896, significaria a revogação do seu § 5º, retirando do relator de recurso no TST o poder de negar seguimento a recurso por despacho. Ora, no caso da menção do art. 897 na Lei 9.756/98, são usadas as reticências sem que, ao final do dispositivo, apareça a expressão "(NR)". Isso se deu porque houve apenas, em relação ao art. 897, acréscimo dos §§ 5º a 7º, sem modificação dos anteriores.
Pelo exposto, podemos concluir que a faculdade conferida ao ministro-relator de recurso no TST, de trancar o apelo por despacho, quando a decisão estiver em consonância com súmula da Corte, continua em vigor. Quanto ao poder de dar provimento por despacho a recurso, quando a decisão estiver em dissonância com a jurisprudência da Corte, entendemos que poderá ser utilizada a faculdade prevista no novo § 1-A do art. 577 do CPC, em face da subsidiariedade de utilização do CPC no Processo do Trabalho, mormente pelo fato de que o referido dispositivo menciona que sua aplicação poderá se dar por confronto com súmula de "tribunal superior", expressão genérica, que permite perfeitamente sua utilização pelo TST. No entanto, tal orientação deverá ser objeto de deliberação do próprio TST, de forma a dar uniformidade de tratamento aos recursos que forem submetidos ao crivo de seus ministros.
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